O Fórum Social Mundial não pode ceder às velhas práticas que centralizam e verticalizam o poder
Oded Grajew – Foi em janeiro de 2000 que tive a idéia de criar o Fórum Social Mundial. Era o mes da realização do Fórum Economico Mundial (FSM) onde, triunfalmente, se anunciou o fim da História com a adoção do modêlo neoliberal que supostamente levaria o mundo à prosperidade , paz e qualidade de vida para todos. Os opositores eram tratados como ignorantes e radicais que só sabem criticar, sem poder oferecer nenhuma alternativa.
O objetivo do FSM era criar um espaço, um processo, onde organizações, lideranças e militantes da sociedade civil possam se encontrar, se articular, ganhar força política para levar adiante suas lutas. Haveria também a oportunidade de visibilizar propostas e iniciativas alternativas, mostrando que Um Outro Mundo É Possível, onde o social não estaria a serviço da economia mas a economia a serviço do social e do desenvolvimento sustentável. Um grupo de organizações brasileiras se encarregou de viabilizar operacionalmente a idéia e convidou organizações internacionais para formar o Conselho Internacional (CI). O CI elaborou uma Carta de Princípios que estabeleceu valores tradicionalmente caros a esquerda como orientadores da participação e das atividades e consagrou a idéia do FSM como um processo, um espaço auto organizado, onde o protagonismo das atividades e das iniciativas políticas seriam das organizações da sociedade civil. Todos que aderissem à Carta de Pricipios seriam tratados da mesma forma, nenhuma entidade ou causa seriam mais importantes que as outras. O FSM não seria uma organização, uma entidade, não teria presidente nem diretoria e o CI ( que não é eleito) trataria apenas de zelar pelo processo. Em janeiro de 2001 foi realizado o primeiro FSM em Porto Alegre. Por iniciativas da sociedade civil, e de forma esponanea, inúmeros fóruns locais, regionais, continentais e temáticos foram desde então sendo organizados pelo mundo. Estes fóruns não necessitaria, de nenhuma licença para se organizar. A inovação política do FSM, privilegiando o processo e a auto organização, não se constituindo numa organização verticalizada, centralizada e controladora , permitiu a realização de fóruns com relativamente poucos recursos, a participação de milhares de organizações e militantes e a multiplicação de fóruns pelo mundo.
O sucesso do FSM , fruto principalmente de sua inovação política, começou a atrair o interesse de algumas tradicionais organizações e lideranças que, preocupadas em não perder sua hegemonia e visibilidade, queriam tomar conta do FSM, desvirtuar e, até em algumas ocasiões, sabotar o processo. Queriam voltar à velha prática de processos verticalizados e centralizadores, onde lideranças determinam prioridades e caminhos para serem seguidos pela massa. Não aceitaram a diversidade e a pluralidade da sociedade civil, começaram a depreciar outras iniciativas. Tentaram dividir a sociedade civil em aqueles que estão na “verdadeira luta” como movimentos sociais e sindicatos e todos os outros que seriam meros diletantes improdutivos como por exemplo as ongs. Realizaram fóruns paralelos aos fóruns, intitulando estes fóruns como os fóruns autenticos. E finalmente, e mais recentemente, querem mudar a Carta de Principios para que o FSM se transforme numa organização regida pelo CI, que tomaria posição e falaria em nome de todos e do proprio FSM ( vide entrevista e artigo do Boaventura Santos na Carta Capital). Alegam que o CI e o FSM são omissos e deveriam tomar posição, fazer declaração, elaborar manifestos.
Em primeiro lugar o FSM não é uma organização. O CI não é eleito e não pode representar ninguém, não pode falar em nome de todos, não tem mandato para isso.
A alegação de que não hã posicionamento no FSM é falaciosa. Toda organização tem total liberdade de tomar posicionamento e fazer declarações em nome dela e/ou de todas as organizações que queiram a ela se juntar. Tem que ter o trabalho de angariar parceiros e aliados. Tem que ter o trabalho de convencimento e de articular alianças para dar força política aos seus posicionamentos. E pode dar a estas iniciativas a visibilidade que quiser ou puder. O que não pode é dizer que está fazendo em nome de todos. Ou colocar todos a serviço de uma corporação, de um movimento, de um partido político ou de um governo. Isto é usurpação de poder. É repetir o mesmo e velho processo que tanto mal já causou à esquerda: luta de poder, cooptação por governos e partidos políticos.
O protagonismo não é do FSM mas das organizações, lideranças e militantes. Foi esta inovação política que atraiu tanta gente e tantas organizações, que facilitou novas articulações que resultaram na criação de muitos movimentos (como o Movimento do Passe Livre) e manifestações (Um Outro Mundo É Possível).
O desafio do FSM é aprofundar e evoluir no processo democrático, participativo e plural que constituiu a base e a origem de sua criação. Continuar a facilitar processos de encontros e articulações políticas. Se manter como espaço da sociedade civil e evitar sua manipulação por governos ou partidos políticos (a propósito, partidos e governos são sempre bem vindos quando convidados por organizações para participar de atividades).
Uma nova edição do FSM será realizada em Salvador , Bahia, entre 13 e 17 de março de 2018. Viabilizado graças à dedicação do coletivo brasileiro e bahiano do FSM, com apoio do CI, será um evento de caráter mundial que buscará criar resistências ao avanço da direita e da extrema direita que busca asfixiar os processos democráticos e a participação popular, retirando direitos arfduamente conquistados. Mas também buscar alternativas e promover articulações para Um Outro Mundo Possível. No momento de grandes riscos de retrocessos éticos, políticos e sociais, é fundamental a participação de todas e todos que comungam com os principios e valores e com os objetivos e as esperanças que sempre alimentaram o FSM.
Oded Grajew
Idealizador do FSM, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, foi conselheiro especial do presidente Lula (2003), criador da Fundação Abrinq, Do Instituto Ethos, da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis. Artigo e crédito publicados na Revista Carta Capital, em 8 de dezembro de 2017