Boaventura Sousa Santos – O Fórum Social Mundial (FSM) reuniu-se pela primeira vez em Porto Alegre em 2001. Foi um acontecimento de extraordinária transcendência porque sinalizou a emergência de uma forma de globalização alternativa à que estava a ser impulsionada pelo capitalismo global, cada vez mais dominado pela sua versão mais excludente e antissocial: o neoliberalismo. Não foi o primeiro sinal mas foi, sem dúvida, o sinal mais consistente, e aquele que pôs na agenda internacional a luta dos movimentos e das organizações sociais que lutavam nas mais diferentes regiões do mundo contra as muitas faces da exclusão social: exclusão económica, racial, etnocultural, sexista, religiosa, etc. O FSM era simultaneamente um sintoma e um potenciador da esperança dos grupos sociais oprimidos. Surgia com uma vocação mundial a partir da América Latina porque o sub-continente era então a região do mundo onde as classes populares estavam a traduzir a esperança com mais consistência em formas de governo progressista. Esta esperança, simultaneamente utópica e realista, tinha tido o seu reinício mais recente na Venezuela de Hugo Chavez, a partir de 1998, e continuaria com a chegada ao governo de Lula da Silva (Brasil) e Nestor Kirchner (Argentina), em 2003 e, nos anos seguintes, Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia), Manuel Zelaya (Honduras), Fernando Lugo (Paraguai) e Pepe Mujica (Uruguai). Iniciava-se com o FSM uma década de esperança que, a partir do subcontinente, se projetava sobre todo o mundo. Era o único continente onde fazia algum sentido político falar de “socialismo do século * Ativista do FSM desde a primeira hora, membro do Conselho Internacional em representação da Universidade Popular dos Movimentos Sociais, autor do livro Fórum Social Mundial. Manual de Uso. São Paulo, Editora Cortez, 2005. 2 XXI”, mesmo se as práticas políticas concretas tivessem pouco a ver com os discursos. A grande novidade do FSM e o seu mais precioso património foi tornar possível o maior interconhecimento dos movimentos e organizações sociais envolvidos nas mais diversas lutas em diferentes países e segundo culturas políticas historicamente muito distintas. Nos primeiros tempos, este propósito foi bem servido por uma cultura de discussão livre e de consenso e pela recusa de o FSM, enquanto tal, tomar decisões políticas. Mas não evitou que, desde quase o princípio, se iniciasse um debate político entre os ativistas mais envolvidos, o qual se foi intensificando com os anos. Algumas questões: poderia o FSM ser verdadeiramente mundial e progressista se as grandes ONGs o dominavam em detrimento das pequenas e dos movimentos sociais de base? Se quem precisava mais da solidariedade doFSM não tinha recursos para participar? Se as forças dominantes no FSM não lutavam contra o capitalismo, lutavam, quando muito, contra o neoliberalismo? Por detrás da ideologia do consenso, não se esconderia a mão de ferro de algumas entidades, pessoas e posições? Se não se podia tomar decisões políticas, qual seria a utilidade de nos continuarmos a reunir e a repetir? Como não havia estruturas para organizar os debates, quem se sentia incomodado por estas questões foi abandonando o processo. Mas o génio do FSM foi que, durante mais de dez anos, foi sempre atraindo novos movimentos e organizações. No entanto, no final da década de 2000 a conjuntura internacional tinha mudado num sentido adverso aos objetivos do FSM. Minados pelas suas contradições internas, os governos progressistas da América Latina entravam em crise. O imperialismo norteamericano, que durante uma década tinha estado centrado no Médio Oriente, regressava em força ao continente, e o primeiro sinal fora a demissão, em 2009, do Presidente Manuel Zelaya, um presidente democraticamente eleito. Era o primeiro ensaio do novo tipo 3 de golpe institucional, sob capa democrática, que se repetiria em 2012 no Paraguai e em 2016 no Brasil. O neoliberalismo, tendo agora ao seu total dispor o capitalismo financeiro global, investia contra todas as políticas de inclusão social. A crise financeira provocava a crise social, e os movimentos tinham de se centrar nas lutas nacionais e locais. Aliás, a sua luta era cada vez mais difícil, dada a perseguição repressiva. Sob o pretexto da “guerra ao terror”, a paranoia da vigilância e da segurança tornava difícil a própria mobilidade internacional dos ativistas, tal como se viu em 2016 em Montreal, onde mais de duzentos vistos de entrada foram recusados a ativistas do Sul global. Nestas circunstâncias, qual seria a viabilidade e a utilidade do FSM? No momento em que estavam em risco não apenas as políticas sociais mas a própria democracia, seria sustentável a continuidade do FSM como um simples fórum de discussão, auto-impedido de tomar decisões num momento em que forças neofascistas chegavam ao poder? Estas perguntas apontavam para uma crise existencial do FSM. Esta crise atingiu o seu ponto máximo na reunião do Conselho Internacional (CI) em Montreal, em que este órgão se recusou a tomar uma posição contra o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Saí da reunião com a sensação que o FSM estava numa bifurcação: ou mudava ou morria. Durante os últimos meses pensei que morreria. Nos últimos tempos, com a dinâmica que vejo surgir na preparação do FSM de Salvador, concluí que haveria a possibilidade de mudar, adaptando-se às dramáticas condições e desafios do presente. Quais as mudanças necessárias? faço três propostas que pretendo apresentar à proxima reunião do CI: Proposta 1 Durante o Forum de Salvador será convocada para o dia final ou anterior uma assembleia plenária com o único assunto de alterar a Carta de 4 Principios. Até à vespera recolhem-se as propostas que a mesa da assembleia, constituida por três membros do comite local de Salvador e dois membros do CI organizarão para submeter à votação. A Universidade Popular dos Movimentos Sociais, de que sou um dos representantes, está organizar-se para apresentar a seguinte proposta: “o FSM declara-se um órgão de defesa e de aprofundamento da democracia com competências para tomar decisões políticas sempre que a democracia esteja em perigo. As decisões políticas concretas são tomadas pelos movimentos e organizações que promovem cada encontro do FSM, qualquer que seja o seu âmbito geográfico ou temático. As decisões políticas são válidas no âmbito geográfico e temático em que forem tomadas.” Proposta 2. O atual CI toma a iniciativa de se suspender e abrir-se a um debate refundacional que será ocncluido na assembleia plenária de Salvador. A proposta que a UPMS está a elaborar aborda os seguintes temas: 1-O CI passa a ser constituido por membros permanentes (os existentes que declararam interesse em continuar) e por igual número de membros eleitos ou cooptados no Forum de Salvador entre os organizadores e participantes tendo em mente a diversidade de países, de culturas e lutas. Esta será a composiçao do CI ate ao proximo FSM. O proximo é soberano para fazer votar outras propostas 2-O CI é um orgão de reflexão, de acompanhamento e de facilitação. Tem competência para decidir, entre varias propostas, a localização dos próximos encontros do FSM. 5 Proposta 3 As decisoes políticas do FSM serão tomadas nas assembleias plenarias dos diferentes Forúns, convocadas para o efeito e dizem respeito à escala e ao tema que tiver presidido ao encontro O FSM de Salvador é talvez hoje mais necessário do que foi o FSM de Porto Alegre. Haverá condições para não desperdiçar esta (última?) oportunidade?
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